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Transferência de preços e a valoracão aduaneira no Brasil - Um conflito insolúvel ? Lionel Pimentel Nobre

I - Introdução ao Controle de Transferência de Preços Brasileiro

Os comentários a seguir visam analisar, ainda que de forma preliminar o Controle de Transferência de Preços ("Transfer Pricing") ou Preços de Transferência introduzido no final de 1996, e o Controle de Valoração Aduaneira presente em nosso sistema desde 1994.

O controle de transferência de preços introduzido pela Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, tem inúmeras semelhanças e diferenças com o controle brasileiro de Valoração Aduaneira que é feita quando da importação de bens e mercadorias por contribuintes nacionais.

Após a introdução da tributação universal (worldwide income) também para as pessoas jurídicas em 1996, pela Lei nº 9.249/95, seguindo a tendência mundial e em atendimento as exigências dos países mais desenvolvidos, o Brasil em 27 de dezembro de 1996, introduziu as primeiras regras para coibir a transferência de preços (transfer pricing) através da Lei nº 9.430/96, originalmente regulamentada pela Instrução Normativa nº 38/97 e Portaria nº 95/97, agora substituída pela Instrução Normativa nº 32/01.

Na exposição da própria Exposição de Motivos da Lei nº 9.430/96 está claro que tais regras visam inibir: (i) a evasão de lucros tributáveis; e (ii) a prática de planejamento tributário internacional, como uma indicação preliminar de privilegiar a arrecadação em detrimento da eficácia e da eficiência da administração fiscal.

Em que pese as inúmeras definições de juristas nacionais e estrangeiros sobre o conceito de transferência de preços, a forma deste controle como está sendo feito no Brasil, indica que o conceito utilizado é o de simplesmente definir em termos gerais: (i) os valores máximos dos custos, despesas e encargos sobre bens, direitos e serviços importados das pessoas vinculadas ou localizadas em países de tributação favorecida, a serem considerados na apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas ("IRPJ") e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSL") das pessoas jurídicas e físicas, com sede, residência ou domicílio no Brasil; (ii) os valores mínimos de receitas de exportações de bens, serviços e direitos, para pessoas vinculadas ou localizadas em países de tributação favorecida, que devem ser obrigatoriamente considerados como receitas tributáveis para fins dos mesmos tributos.

Encontramos tentativas, mais bem sucedidas de aplicar o arm's length principle em outras normas tributárias que não aquelas para controlar a transferência de preços como: (i) no IPI: artigo 68 do Regulamento do IPI; (ii) no ICMS: artigo 17 da Lei Complementar nº 87/96 do ICMS; (iii) nas infrações contra a ordem econômica: artigo 21 da Lei nº 8.884/94; (iv) na Valoração Aduaneira: artigo VII do GATT; (v) no plano criminal: os incisos III, VI, e VII do artigo 4º da Lei nº 8.137/90; (vi) nos Tratados assinados pelo Brasil para Evitar Dupla Tributação: artigo 9º do Modelo da Organização de Coordenação e Desenvolvimento Econômico ("OCDE"); (vii) na IRPJ e CSL nos casos de Distribuição Disfarçada de Lucros ("DDL").

Já que o princípio arm's length adotado no Brasil diverge em muito daquele sugerido pela OCDE ou de outros países, até em razão do nosso sistema tributário nacional, somos forçados a adotar como definição do arm's length principle, para a análise da sistemática de controle de transferência de preços no Brasil, o princípio pelo qual empresas de um mesmo grupo transnacional ou de alguma forma vinculadas deveriam praticar preços entre si com margens fixas a fim de considerar os preços praticados como "preços de mercado".

Um preço arm's length brasileiro, não seria bem aquele acordado entre as partes não relacionadas, envolvidas nas mesmas transações, ou em transações semelhantes nas mesmas condições, em um mercado livre, mas sim os preços pré-fixados considerados "livres" pela Lei nº 9.430/96.

O arm's length principle seria um princípio constitucional válido e compatível com o nosso sistema constitucional tributário dependendo de sua aplicação. Esse princípio preserva um valor de concretizar o princípio da livre iniciativa e livre concorrência, além de preservar a capacidade contributiva.

O arm's length principle não visa a igualdade tributária, pois na prática a adequada aplicação do princípio visa tratar desigualmente contribuintes a fim de chegar-se a uma justiça tributária.

Em termos concorrências, entretanto, esse princípio objetiva igualar-se ao máximo as forças de mercado.

A igualdade tributária se dá mais pela capacidade contributiva e não pela presunção de que empresas de um mesmo grupo em seus negócios devem ser igualmente tratados como empresas independentes.

É função da arm's length principle fazer aparecer a capacidade contributiva do contribuinte, muitas vezes escondida pela manipulação de preços (superfaturamento ou subfaturamento).

Já que a renda deve ser entendida como um acréscimo patrimonial, nos termos do artigo 153 da Constituição Federal e artigos 43 e 45 do CTN, e o controle de transferência de preços afeta diretamente o cálculo da despesa ou da receita para apuração do lucro (tributado pelo IRPJ e CSL), constitucionalmente deverá sempre existir um ganho patrimonial efetivo pelo sujeito passivo, ao contrário não estará se tratando da hipótese constitucional do IRPJ.

O arm's length principle como princípio norteador utilizado para a mensuração da vantagem anormal em operações controladas não pode criar uma base tributável irreal, pela aplicação de em margens de lucros ou custos distintos daqueles da realidade, pois assim o conceito constitucional de renda como acréscimo patrimonial seria inútil, passando então a valer o conceito de legalista de renda.

Logo, os métodos de cálculo do preço comparável para a verificação da vantagem anormal são acessórios ao arm's length principle. Caso a aplicação de um método comparativo cause prejuízo ao arm's length principle (como inegavelmente fazem margens de lucros preestabelecidas), o método em questão deverá ser abandonado, pois caso contrário não se estaria respeitando o princípio da capacidade contributiva.

Foram eleitos como sujeitos do controle de transferência de preços brasileiros: (i) as pessoas vinculadas; e (ii) as pessoas físicas e jurídicas localizadas em países de tributação favorecida ("paraísos fiscais).

O conceito de pessoa vinculada é bem mais abrangente que a de pessoa ligada (para fins de IRPJ), pessoa interdependente (para fins do IPI), e empresa associada (para fins dos Tratados para Evitar Dupla Tributação assinados pelo Brasil). Esse conceito em alguns casos levanta dúvidas, como a inclusão de "interposta pessoa" pela Instrução Normativa nº 32/01 que pode ser legalmente contestada, e a hipótese ilógica de pessoas localizadas em paraísos fiscais.

As operações sujeitas ao controle de transferência de preços são aqueles entre contribuintes brasileiros e pessoas vinculadas ou em pessoas em paraísos fiscais de: importação, exportação de bens, direitos e serviços e de empréstimo (não registrados no Bacen). O controle de "royalties", assistência técnica ou administrativa (devidamente registradas no INPI) não foram incluída nesse rol de operações controladas.

As exportações controladas tem uma particularidade de que o Brasil adotou um sistemática peculiar pelo qual primeiro verifica se as operações estariam dispensadas de comprovação com base na regra de "porto seguro" (safe harbor) e depois analisa-se o preço médio dos negócios envolvendo bens, serviços e direitos for 90% do preço médio dos mesmo negócios realizados no mercado brasileiro. Se mesmo assim a exportação realizada tiver que ser controlada haverá o arbitramento das receitas.

Os métodos de cálculo do preço comparativo ao preço da exportação são: (i) o Método do Preço de Venda nas Exportações (PVEx); (ii) o Métodos do Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro (PVA); (iii) o Método do Preços de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro (PVV); e (iv) o Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucros (CAP).

Os métodos de cálculo do suposto valor importado a maior nas importações são os seguintes: (i) o Método dos Preços Independentemente Comparados (PIC); (ii) o Método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL); e (iii) o Método do Custo de Produção Menos Lucro (CPL).

No caso de empréstimos os juros passivos ou ativos, em casos do contrato não ser registrado no BACEN, não poderá exceder (em o tomador sendo brasileiro) ou no mínimo terá que ser (tomador estrangeiro) igual a taxa LIBOR para 6 meses, acrescida de 3% ao ano como "spread".

Adicionalmente, no que se refere a documentação das operações controladas no Brasil existe uma discrepância entre o artigo 21 da Lei nº 9.430/96 e a Instrução Normativa nº 32/01, pois os documentos admitidos para calcular o PRL, CPL, PVV, PVA e CAP na norma maior são obrigatórios, enquanto que a norma menor permite a utilização de outros documentos. Esse problema pode levar a um impasse caso o assunto venha a ser discutido judicialmente pelo Fisco e contribuinte.

Em sendo a operação com "país de tributação", ou "paraíso fiscal" ou com ente, que mesmo que esteja em um país que não normalmente de tributação favorecida, mas de alguma forma esse ente foi favorecido fiscalmente (sendo tributado em alíquota máxima inferior a 20%) a mesma será obrigatoriamente controlada.

II - Funcionamento do Controle de Valoração Aduaneira

A implementação do artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT 1994 (Código de Valoração Aduaneira), foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 9/81 e promulgado pelo Decreto nº 92.930, de 16.07.86. A aplicação do Código de Valoração Aduaneira foi disposta no Decreto nº 2.498, de 13.02.98, e também nas Instruções Normativas SRF nº 16, 17 e 18, de 16.02.98.

Nos dizeres de Roosevelt Baldomir Sosa (2), o objetivo da valoração aduaneira é o de "determinar, segundo certos princípios técnico-legais, o valor de uma dada mercadoria importada para efeitos da incidência dos direitos da Alfândega. A questão central da valoração aduaneira, portanto, é a fixação de um montante que servirá de base para o cálculo dos direitos aduaneiros".

Determina o Decreto nº 2.498/98 que toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro (art. 2º, caput). Tal controle, por sua vez, será realizado de forma seletiva, no despacho de importação ou na revisão aduaneira, segundo critérios estabelecidos pelos Ministros de Estado da Fazenda e da Indústria, do Comércio e do Turismo (art. 2º, §2º e 3º).

Sendo assim, as mercadorias objeto de investigação serão selecionadas para a comprovação do valor aduaneiro declarado. Tal comprovação ocorrerá a partir do procedimento de verificação da conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador, segundo as regras estabelecidas pelo Código de Valoração Aduaneira (art. 2º, §1º, do Decreto nº 2.498/98).

De acordo com a Instrução Normativa SRF nº 16/98, o valor aduaneiro é o valor da transação da mercadoria importada, conforme definido no Artigo 1 do Código de Valoração Aduaneira ou, na impossibilidade da aplicação desse método de valoração, o valor estabelecido conforme um dos métodos substitutivos previstos nos Artigos 2, 3, 5, 6 e 7 do referido Código.

Com efeito, o Artigo 1 do Código determina que o valor aduaneiro será o valor de transação ajustado, por meio do qual se verifica o preço efetivamente pago, ou a pagar, pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação, desde que não haja vinculação entre o comprador e o vendedor, ou se houver, que o valor seja aceitável para fins aduaneiros (artigo 1, item 1, alínea "d"). Tal método é comumente denominado Método Primeiro.

Havendo vinculação entre as partes, mas sendo o valor da transação aceitável para fins aduaneiros, determina o Código que o fato de haver vinculação entre as partes não constituirá, por si só, motivo suficiente para se considerar o valor da transação inaceitável. Neste caso, as circunstâncias da venda serão examinadas e o valor da transação aceito, desde que a vinculação não tenha influenciado o preço (Artigo 1, item 2, alínea "a").

Todavia, caso fique demonstrado que o valor da transação indicado pelo importador não é representativo de uma venda em condições de livre-concorrência, tendo sido influenciado ou afetado por relações de interdependência entre comprador ou vendedor, ou mesmo nos casos de cessão de mercadorias a título não oneroso (como o comodato), ou ainda no caso de aluguéis e leasing (arrendamento mercantil) busca-se, por meio do Método Segundo, o valor da transação de mercadorias idênticas àquela sob valoração para importações realizadas (Artigo 2).

Na ausência de mercadorias idênticas àquelas sob valoração, deve ser adotado o Método Terceiro, qual seja, o valor de transação de mercadorias similares à importada. Contudo, na impossibilidade de aplicação desse método, o Código prevê outros três métodos alternativos, para solucionar o problema da valoração da aduaneira.

Assim, poderá vir a ser utilizado o método dedutivo, também chamado de Método Quarto, pelo qual se deduz o valor aduaneiro, a partir de uma decomposição do valor de revenda alcançado pela mercadoria, ou por mercadoria idêntica ou similar àquela objeto da valoração aduaneira.

Caso não possa ser aplicado o método dedutivo, será utilizado o Método Quinto, ou método computado, que baseia-se, principalmente, na verificação do custo ou valor dos materiais e da fabricação ou processamento, utilizados na produção das mercadorias importadas (Artigo 6). Por sua vez, na impossibilidade de aplicação dos métodos acima referidos, o valor da mercadoria será determinado pelo Método Sexto, denominado método residual, usando-se critérios razoáveis condizentes com os princípios e critérios constantes do Código, e ainda, com base em dados disponíveis no país de importação (Artigo 7º).

III - Diferenças entre o Controle de Valoração Aduaneira e o Controle de Transferência de Preços

Primeiro, entendemos que existe uma estrita relação entre valoração aduaneira e o controle de transferência de preços, no caso de operações de importação, já que ambas visam uma uniformidade e neutralidade na valoração das mercadorias. Enquanto a valoração aduaneira atinge a todas as importações interessa para o controle de transferência de preços apenas as importações com pessoas vinculadas.

Conflitos entre esses dois mecanismos de controle poderão surgir na medida em que uma importação de pessoa vinculada é examinada para fins aduaneiros e depois para fins do controle de transferência de preços.

A mais importante diferença da valoração aduaneira aparece quando for demonstrado que o preço de importação sofreu influências dado o relacionamento entre o comprador e vendedor. Nessa situação, o Código de Valoração Aduaneira determina a aplicação de outros métodos não baseados no valor da transação da mercadoria, em detrimento do Método Primeiro. Assim, evita-se que a interdependência entre as partes artificialmente afetem o valor tributável da transação.

Em que pese os métodos e objetivos da valoração aduaneira serem muito semelhantes aos do controle de transferência de preços os dois são bem diferentes, pois no controle de transferência de preços existe a presunção absoluta de que todas as transações que envolvam pessoas vinculadas levam as partes a praticarem preços irreais a fim de transferir lucros. (3)

Os preços parâmetros apurados pelo PIC, PRL E CPL são os únicos valores que o importador poderá considerar na sua importação, mesmo que não tenha sido "transferido lucros". Para o controle de transferência de preços, pouco importa que o importador conseguiu negociar um preço mais vantajoso com a pessoa vinculada, não devido a vinculação, mas sim decorrentes de: (i) uma boa negociação por parte do vendedor ou comprador da pessoa vinculada que não aproveitou-se das partes serem vinculadas, mas apenas conduziu a negociação da mesma forma que iria conduzi-la se fosse terceiro independente; ou (ii) o custo de oportunidade do negócio, a pessoa vinculada era o único vendedor/comprador disponível naquele momento e a parte brasileira necessitava do produto urgentemente, não obstante o custo ou perda na venda.

Ao contrário senso, no caso do Código de Valoração Aduaneira, como regra geral aplica-se o valor da própria transação. Só são usados outros métodos em casos nos quais for comprovada que uma vinculação efetivamente afetou o preço.

A esse título, o artigo 1º, alínea "e" do Código de Valoração Aduaneira determina que "o fato de haver vinculação entre comprador e vendedor, nos termos do artigo 15, não constituirá, por si só, motivo suficiente para se considerar o valor da transação inaceitável. Neste caso, as circunstâncias da venda serão examinadas e o valor da transação será aceito, desde que a vinculação não tenha influenciado o preço. Se a administração aduaneira, com base em informações prestadas pelo importador, ou por outros meios, tiver motivos para considerar que a vinculação influenciou o preço, deverá comunicar tais motivos ao importador, a quem dará oportunidade razoável para contestar." (grifos nossos)

Nesse sentido, concordamos com o jurista Heleno Torres (4) que existe, portanto, uma maior flexibilidade no controle de valoração aduaneira que não admite como líquido e certo que uma vinculação por mais simples que seja tenha afetado o preço. A conseqüência lógica da valoração aduaneira não é de que se há vínculo, o preço foi afetado. Adicionalmente, em havendo suspeita de afetação do preço por ocasião de um vínculo o importador tem plenas condições de demonstrar que o preço não foi prejudicado.

É, portanto, um princípio básico do Código de Valoração aduaneira a predisposição e preferência em aceitar de plano o valor da transação. Em um exame de valoração aduaneira a autoridade não parte do pressuposto de que "houve vinculação, logo o preço foi subfaturado". Ao contrário, se existir alguma vinculação e ao mesmo tempo se a autoridade aduaneira, baseado nas informações do importador, ou por outros meios, entender que a vinculação influenciou o preço não poderá mais ser utilizado o Método Primeiro e os métodos subsequentes serão aplicados.

Aparentemente as funções de cada mecanismo de controle também são diferentes. Segundo o advogado Luís Schoueri, ao justificar que a problemática da valoração aduaneira não confunde-se com a do controle de preços de transferência, na valoração aduaneira busca-se o valor normal do produto, enquanto que no caso da transferência de preços busca-se o lucro normal (verificação de desvio de lucros), compatível com o de mercado, em determinada transação de importação (5)

Discordamos dessa constatação, tal como Heleno Torres, pois nos dois casos visa-se apurar o "valor normal" da transação (6) conforme demonstramos daqui em diante.

Nos lembra também Heleno Torres, que ambos esses mecanismos visam evitar uma evasão fiscal decorrente da manipulação de preços na importação de mercadorias. Em que pese ambas essas formas de controle visarem ajustar os preços aos de mercado, as suas finalidades são opostas. Enquanto o controle de transferência de preços objetiva evitar o "superfaturamento" em uma importação, que iria reduzir o lucro tributável do importador, a valoração aduaneira busca evitar o "subfaturamento" de uma importação que iria reduzir a base tributável dos tributos incidentes sobre importações. (7)

Outra importante diferença diz respeito a aplicação do arm's length principle.

Sustenta o advogado curitibano, Miguel Hilu Neto que na valoração aduaneira também é aplicado o princípio arm's length. Ele também lembra que o importador deve comprovar o arm's length por métodos que muito se assemelham as do controle de transferência de preços. (8)

Tanto isso é verdade que a OCDE reconhece isso em seu Relatório de 1997 ao declarar: "Autoridades aduaneiras, em linhas gerais, também aplicam o princípio do arm's length pricing e o usam para atingir a um padrão neutro de comparação entre valores atribuídos a bens importados por empresas associadas e valores para bens similares importados por terceiros."(tradução livre).

O especialista no assunto Roosevelt Baldomir Sosa define o arm's length no controle de valoração aduaneira como sendo "o valor real deve corresponder a uma venda, em operações comerciais normais e realizada em condições de livre concorrência." (9)

Sobre a diferença da aplicação do arm's length no controle de valoração aduaneira e transferência de preços reproduzimos a interessante conclusão de Miguel Hilu Neto:

"Assim, construa-se o seguinte silogismo: premissa maior - uma vez adotado um princípio ele deve ser coerentemente aplicado pelo legislador (Tipke) e, inclusive, ser coerentemente concretizado, sob pena de a incoerência ferir a igualdade; premissa menor - o princípio arm's length é aplicável tanto aos preços de transferência quanto à valoração aduaneira; conclusão: a não utilização, para fins dos preços de transferência, de um valor de operação de importação, obtido em consonância com o princípio arm's length apurado em matéria aduaneira, macula a coerência do sistema, ferindo, indiciariamente, a igualdade." (10) (grifos nossos).

Aplaudimos a constatação desse autor no sentido de que embora os institutos do controle de valoração aduaneira e de transferência de preços sejam distintos, não é razoável atribuir diferentes tratamentos tributários a mesma transação (importação de mercadoria), sob pena de estar-se-ia ferindo o princípio da igualdade, pois o princípio arm's length utilizado na verificação da valoração aduaneira seria diferente do princípio arm's length usado no exame de transferência de preços. (11)

Nesse caso, também estaria se ferindo o princípio da capacidade contributiva do importador que para fins da valoração aduaneira aplicou o arm's length principle e adotou um valor. Logo, utilizando se o mesmo arm's length principle no controle de transferência de preços não há como se chegar em outro valor. (12)

Outro fator importante é a correta aplicação do valor tributável para fins aduaneiros de importação com pessoa vinculada cria no importador um sentimento de previsibilidade citado por Paulo de Barros Carvalho como "este último (cânone da segurança jurídica) é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro (cânone da certeza do direito) de modo racional e objetivo, mas dirigido a implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta." (13)

IV - Conclusão

Logo, com base no exposto até aqui sustentamos que a desconsideração do valor utilizado para fins de valoração aduaneira, devidamente balizada por um criterioso exame pelo arm's length principle, pode tornar o importador inseguro e intranqüilo no que diz respeito ao tratamento tributário do mesmo fato e grandeza. Nesse caso, qualquer divergência entre o valor utilizado pelas autoridades fiscais para fins aduaneiros e fins de controle de transferência de preços irá ferir o princípio da segurança jurídica.

Assim, apesar de existirem inúmeras diferenças entre o controle de Valoração Aduaneira e o controle de transferência de preços as duas buscam o arm's length principle, a adoção dos dois controles de forma diferente, pelo mesmo órgão fiscalizador, torna os contribuintes inseguros quanto aos seus negócios.

Ou seja, se o preço de uma operação já foi checado como estando arm's length para fins de valoração aduaneira não é possível chegar-se a um outro preço para o mesmo negócio, adotando-se o mesmo princípio (arm's length principle) quando se examinar a possível transferência de preços. Nesse caso estaria se ferindo os princípios da segurança jurídica e da capacidade contributiva do contribuinte lesado.

CITAÇÕES NO TEXTO

(1) Trechos do presente artigo, bem como maiores esclarecimentos sobre o tema poderão ser encontrados no livro do autor A Globalização e o Controle de Transferência de Preços ("Transfer Pricing") no Brasil, Brasília, Pórtico Editora, 2000.

(2) In Valor Aduaneiro: Comentários às novas normas de valoração aduaneira no âmbito do Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 1996.

(3) No mesmo sentido Miguel Hilu Neto sustenta que embora exista uma relação fática entre os institutos da valoração aduaneira e controle de transferência de preços os dois são distintos. (Hilu Neto, Miguel, Preços de Transferência e Valor Aduaneiro - a Questão da Vinculação à Luz dos Princípios Tributários in Tributos e Preços de Transferência - 2º Volume, Editora Dialética, São Paulo, 1999, p. 262).

(4) Torres, Heleno Taveira. Transferência de Preços e o Seu Controle Fiscal na Legislação Brasileira. Revista Euroamericana de Estudios Tributarios - Los Precios de Transferencia. Instituto Euroamericano de Estudios Tributários. Madri, 1999. Pg. 230.

(5) Schoueri, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. Dialética. 1999, pg. 14.

(6) Torres, Heleno Taveira. Transferência de Preços e o Seu Controle Fiscal na Legislação Brasileira. Revista Euroamericana de Estudios Tributarios - Los Precios de Transferencia. Instituto Euroamericano de Estudios Tributários. Madri, 1999. Pg. 229.

(7) Ibid. p. 230.

(8) Hilu Neto, Miguel.Preços de Transferência e Valor Aduaneiro - a Questão da Vinculação à Luz dos Princípios Tributários in Tributos e Preços de Transferência - 2º Volume, Editora Dialética, São Paulo, 1999, p. 268.

(9) In Valor Aduaneiro: Comentários às novas normas de valoração aduaneira no âmbito do Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 1996, pg. 22.

(10) Hilu Neto, Miguel. Preços de Transferência e Valor Aduaneiro - a Questão da Vinculação à Luz dos Princípios Tributários in Tributos e Preços de Transferência - 2º Volume, Editora Dialética, São Paulo, 1999, p. 269.

(11) Ibid. p. 272.

(12) Ibid. p. 273.

(13) Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, 1993, p. 91.

Elaborado por:

Lionel Pimentel Nobre - Mestre em Direito Internacional pela PUC-SP, advogado associado em São Paulo de Amaro, Stuber e Advogados Associados (www.amarostuber.com.br) , além de autor do livro: "A Globalização e o Controle de Transferência de Preços (Transfer Pricing) no Brasil) publicado pela Pórtico Editora (www.porticoeditora.com.br) em 2000.

E-mail: nobre@amcham.com.br

  Leia o curriculum do(a) autor(a) Lionel Pimentel Nobre .


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