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Ao abordarmos sobre o tema concernente à
liberação de mercadorias, apreendidas com o fito de exigibilidade de tributos e
suas cominações penais, opino pela concessão da segurança.
Com efeito, é pacífica a jurisprudência de
nossos tribunais, contando inclusive com Súmula do Supremo Tribunal Federal
(STF), no sentido de somente admitir uma eventual apreensão de mercadorias, nos
estritos limites da necessidade de comprovação de irregularidade fiscal, cujas
evidências sejam realmente aparentes.
Dessa forma, torna-se completamente injurídica a
medida de apreensão de mercadorias, quando a mesma visa meramente coagir o
contribuinte interessado ao pagamento de tributos, multas e demais outras
cominações que são carreadas pelo ente tributante.
Sobejamente, os agentes fiscais tributários
sejam de jurisdição federal ou estadual possuem instrumentos e mecanismos que
lhe garantem a discussão acerca de uma eventual irregularidade, assim como a
exigência de uma exação com os devidos acréscimos e penalidades que
eventualmente incidam na operação fiscalizada, no momento em que expede o
competente auto de infração, sendo flagrante e desnecessária a apreensão de
mercadorias para exigibilidade dos tributos.
Lado outro, é de elementar conhecimento que o crédito
tributário é constituído pelo lançamento e, da mesma sorte, sabe-se que é de
competência privativa da autoridade administrativa tributária proceder com o
indigitado lançamento tributário. Por meio do lançamento dá-se início ao
procedimento administrativo que, por sua vez, tem por fito constatar a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, consoante ressai do disposto
no caput do artigo 142 do Código
Tributário Nacional (CTN), in verbis:
"Art. 142 - Compete
privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo
lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a
ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria
tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível."
Lado outro, o contribuinte autuado, por seu
turno, tem total e inquestionável direito de insurgir-se contra as disposições
do lançamento tributário, apresentando, para tanto, sua defesa ou recurso
administrativo junto ao órgão da administração pública tributária competente
que, por sua vez, no âmbito de algumas esferas de governo, se manifesta por meio
de um Tribunal Especializado sem jurisdição, ou através de um Conselho de
Contribuintes para a solução da demanda, não sendo necessário, portanto,
apreender as mercadorias para efetuar o lançamento dos créditos
tributários.
Em face da grande quantidade de tributos
existentes no Brasil, norteados e regulamentados por uma vasta, dinâmica e
complexa legislação, inúmeros são os conflitos e desentendimentos acerca da
interpretação e aplicabilidade das normas tributárias, motivando discussões
hodiernas na relação jurídica estabelecida entre a Fazenda Pública e as pessoas
físicas e/ou jurídicas de direito privado.
Por outro lado, a apreensão de mercadorias para
exigência de tributos, extrapola os limites da lei e constitui, em sua essência,
abuso do poder fiscalizatório em
matéria tributária. Temos que o CTN, por meio de seu artigo 78, aponta o conceito legal de poder de
polícia que, por conseguinte, se manifesta da seguinte
forma:
"Art. 78 - Considera-se
poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos."
Destarte, o que poderíamos concluir a partir do
disposto na norma legal, é que o legislador pretendia com isso, buscar um
equilíbrio entre a fruição dos direitos privados individuais e coletivos e o poder da
fiscalização pública em benefício do bem comum. Em outras palavras, estabelecer uma
harmonização necessária e, em tese, compulsória para que possa garantir a coexistência entre a liberdade
individual e o Poder Público em prol da própria ordem pública e
social.
Note-se que não deveria existir qualquer
incompatibilidade entre os direitos individuais e/ou coletivos de natureza
privada e os limites apresentados pelo poder de polícia de natureza pública; uma
vez que a utilização desse último,
não deveria ser oposto de maneira excessiva, ou até mesmo
desnecessária.
Caso tal circunstância se afigure, temos a
materialização do denominado e abominável "abuso de poder". De acordo com o
escol do Mestre José Cretella Júnior (1) temos que a expressão "abuso de poder"
também pode ser denominado de "desvio de poder" ou, ainda, de "desvio de finalidade". O
festejado jurista indica que "desvio" é o afastamento, mudança de direção,
distorção do sentido; ao passo que a palavra "poder" significaria a faculdade ou
competência para decidir determinado assunto.
Logo, o "desvio de poder" ou "abuso do poder"
representa o "...afastamento na prática de
determinado ato; poder exercido em direção diferente daquela em vista da qual
fora estabelecido".
Ainda acompanhando os ensinamentos do Professor
José Cretella Júnior temos que o
"desvio de poder é o uso
indevido, que a autoridade administrativa, nos limites da faculdade
discricionária de que dispõe, faz da 'potestas' que lhe é conferida para
concretizar finalidade diversa daquela que a lei preceituara. Desvio de Poder é
o desvio do Poder Discricionário, é o afastamento da finalidade do ato. É a
'aberratio finis legis'. Desvio de poder é o uso indevido que o agente público
faz do poder para atingir fim diverso do que a lei lhe
confere."
Na mesma linha de raciocínio, o não menos
consagrado Mestre Hely Lopes Meirelles (2), trata o tema desvio de finalidade
com a peculiar competência, assim se manifestando: "...os fins da Administração
consubstanciam-se na defesa do interesse público, assim entendidas aquelas
aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade
administrada, ou por uma parte expressiva de seus membros.O ato ou contrato
administrativo realizado sem interesse público configura desvio de
finalidade."
Também são as palavras de De Plácido e Silva (3)
sobre a expressão "Desvio de Poder", quando assim preconiza: "Possui o mesmo sentido de
excesso de poderes, o que demonstra a ação ou atuação de uma pessoa, no
exercício de um cargo ou no desempenho de um mandato, além dos limites das
atribuições ou dos poderes que lhe são conferidos".
Já para Seabra Fagundes(4), o entendimento sobre
"Desvio de Poder" se traduz por ser uma
"atividade administrativa,
sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultado, não pode a
Administração deles se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo
legislador".
Nesse sentido, o poder da fiscalização
tributária deveria traduzir-se pelo exercício do Poder de Polícia do
Estado, através da atuação de seus
agentes fiscais em face da conduta dos indivíduos, mas primando por evitar o
desvio de poder.
Ora, em respeito à própria primazia do interesse
público em relação ao direito privado, não cabe ao particular se opor aos
ditames da fiscalização; contudo se a mesma for conduzida de forma lícita e
regular, sem nenhuma manifestação que configure inequívoco abuso de
poder.
É nesse sentido que a apreensão de mercadorias
para exigir o pagamento de tributos se configura, inquestionável e
indubitavelmente em prática canhestra de "desvio de poder"; "abuso de poder",
"desvio de finalidade" ou qualquer outra expressão similar que possa
expressá-la.
Consoante dito alhures, a jurisprudência já
consagrou como desvio de finalidade,
a apreensão de mercadorias para a exigência de tributos, inclusive por
meio da Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal que da seguinte forma se
manifesta:
"STF Súmula n. 323 -
13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal -
É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributos".
Destarte, quando existem divergências de
entendimento entre o contribuinte e o agente fiscalizador acerca de uma
classificação tarifária para efeito de exigência do imposto de importação;
ou quando se discute a legitimidade
de exigir a retenção do ICMS em decorrência de um Convênio do CONFAZ por
exemplo; ou outra circunstância semelhante que implique na exigência de uma
exação, não pode o agente fiscal se valer da apreensão da mercadoria para exigir
o pagamento do imposto;mesmo porque não se sabe ao certo ainda se o fisco tem
razão em sua interpretação.
Ademais disso, o exercício do poder de
fiscalizar pode ser efetivado independente de autorização judicial,
existindo, para tanto, a executoriedade das decisões de
fiscalizar, desde que respeitados os direitos fundamentais insculpidos na
Constituição Federal.
Desse modo, temos que a relação estabelecida
entre os agentes fiscais e o contribuinte, no que se concerne ao efetivo
exercício da fiscalização em que o primeiro pode e deve exercer em relação ao
segundo, encontra supedâneo no que dispõe de maneira sintética os artigos 194 a
200 do Código Tributário Nacional.
Depreende-se do caput do artigo 194 do CTN que
"a legislação tributária,
observando o disposto nesta lei, regulará
em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de
que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em
matéria de fiscalização da sua aplicação".
Em outras palavras, significa dizer que a
competência e os poderes das autoridades administrativas tributárias devem, ou
pelo menos deveriam, estar adstritas aos regramentos estabelecidos pela
legislação tributária, e de forma alguma extrapolá-los.
Desse modo, ao se tratar das competências das
autoridades fiscais, o poder que a eles são conferidos ressaem-se na exata
medida em que o legislador considera necessária para o efetivo e eficiente
exercício das atividades de fiscalização e arrecadação, levando-se em
consideração as características e particularidades de cada exação, mas sem
abusar do poder fiscalizatório que lhes são atribuídos.
Como conseqüência do excesso de tributação a que
os contribuintes brasileiros encontram-se sujeitos; assim como das inúmeras e
infindáveis obrigações acessórias, sem contar a interpretação unilateral do
fisco no uso de seu poder discricionário, muitas vezes sanções políticas são
impostas pela Poder Fiscal com o fito de coibi-los ao pagamento dos
tributos.
Destarte, a apreensão de mercadorias se
constitui na forma clássica de se impor uma sanção de natureza política
contrariando inúmeros preceitos de caráter constitucional. De acordo com o que
dispõem o artigo 5, Inciso II da Constituição Federal "ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", e dessa forma
apreender mercadorias é "contra legem",
uma vez que não previsto em lei a possibilidade de apreender mercadorias
para exigir pagamento de tributos.
Do mesmo modo, dispõem o artigo 5, Inciso XXII
também da Constituição Federal que ´é garantido o direito de propriedade", e a
apreensão de mercadorias para exigir tributos, além de se constituir em um
desvio de finalidade do Poder Fiscal, inibe o contribuinte de dispor dos bens de
sua propriedade, ferindo de morte seu direito, porquanto deixa os bens
indisponíveis, prejudicando ainda a terceiros
interessados.
Se não bastasse, o artigo 5, Inciso XII da
Constituição Federal determina também que
"a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais", e dessa
forma ninguém poderá ser punido, excerto pela lei e, apreender mercadorias para
a exigência de tributos representa indubitavelmente uma sanção de natureza
política e evidente abuso de poder.
Da mesma sorte, as garantias constitucionais da
livre iniciativa dispostas no caput do artigo 170 da Constituição Federal, bem
como a garantia do livre exercício de qualquer atividade econômica insculpida no
parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional são violados, na medida em
que a autoridade tributária apreende mercadorias para exigir o pagamento de
tributos.
É sabido que ao Poder Fiscal Tributário é
conferida uma extensa gama de poderes objetivando seus propósitos
arrecadatórios, com o fito de aumentar os recursos para o erário e permitir a
manutenção estrutural da máquina pública, muitas vezes exacerbada, sob a égide
do benefício do interesse comum.
Todavia, estes poderes ancorados no na faculdade
discricionária, colidem com algumas disposições constitucionais, consoante
mencionado anteriormente, uma vez que alguns atos administrativos fiscais não
respeitam aos princípios básicos do Estado Democrático de Direito, muitas vezes
por se apresentarem de forma desarrazoada, desproporcional, eivados de
ilegalidade ou ainda sem nenhuma motivação adequada, como é o caso da apreensão
de mercadorias para exigência do pagamento de tributos.
Sendo assim, essas medidas se configuram como
indiscutível abuso de poder ou desvio de finalidade, com o único propósito de
alimentar ainda mais a sanha
arrecadatória; sendo dever do Poder Judiciário corrigir essa anomalia,
declarando-as nulas de pleno direito.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Vade Mecum.
Org. Antônio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia
Céspedes. 7. ed. São Paulo: Saraiva, p. 709-749, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil. Vade Mecum. Org. Antônio Luiz de Toledo Pinto; Márcia Cristina Vaz dos
Santos e Lívia Céspedes. 7. ed. São Paulo: Saraiva, p. 1-125,
2009.
( 1) CRETELLA Jr., J. Direito administrativo
brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
545-551.
( 2) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.
33 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
(3) SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 20
ed. Rio de Janeiro: Forense,2002.
Elaborado por:
Cláudio Luiz Gonçalves de Souza - Advogado. Pós-Graduado em Administração
do Comércio Exterior, Metodologia do Ensino Superior. Mestre em Direito
Empresarial.
E-mail: claudiosouza@tcsb.com.br
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